agosto 15, 2004

Oi minha gente!

Vi os experimentos apresentados pelos alunos do Departamento de Artes na quarta, quinta e sexta-feiras passadas (11, 12 e 13 de agosto). Sempre é um prazer saber que tem gente nova produzindo teatro, embora a maioria desses experimentos não tenham continuidade e os alunos, uma vez terminado o curso, muitas vezes não continuem "teatrando": vão ensinar ou fazer qualquer outra coisa. No semestre passado vimos trabalhos excelentes dirigidos por Uliana Fechine, Manoel Vasconcelos, João Junior e Laurice Lucena. Esta última está na "Família Marmota de Teatro" que, sob a direção de Lilian Negão continuaram desenvolvendo a proposta estética de "Oração", que depois virou "Como Anjos", trabalho dirigido por Laurice no semestre passado em cima de um texto de Arrabal.

Esta "Família Marmota de Teatro" mostrou neste ano uma adaptação do conto de João do Rio "O Homem de Cabeça de Papelão" e tem como componentes as já citadas Lilian e Laurice e mais Cyro de Almeida, Marga Martins, Sandro Souza Silva, Igor Rodrigues, Jeferson Miranda, Adolfo Ramos e Humberto Filho.

Juntamente com "O Marinheiro", de Fernando Pessoa, dirigido por Keila Fonseca, foram para mim os experimentos mais promissores dos que vi nesses três dias e que podem ter uma carreira um pouco mais longa do que aquela episódica apresentação.

No entanto, ainda falta um longo caminho a percorrer. O primeiro deles, penso, é contornar a dificuldade proposta por ambos os textos, que não são textos teatrais a rigor pois neles não há quase ação. Haveria então a necessidade de atores muito experientes para criar e sustentar uma tensão dramática suficiente para prender a atenção do público. Os atores que foram à cena ainda não possuem essa maturidade, o que é natural, uma vez que são jovens e estão iniciando agora.

"O Homem da Cabeça de Papelão" tem mais um complicador: a iluminação, toda com velas, que não nos deixa ver direito o que acontece, nem a expressão dos atores, além de deixar no escuro maquiagem e figurinos, com seus signos próprios que ajudariam a compreensão da encenação. Já em "O Marinheiro" a luz é funcional e muito bem executada mas a mandala em cena rouba a própria cena, dispersando a atenção. As atrizes parecem frágeis e negras aves em cima daquele mundo colorido e muitas vezes tive que me concentrar para ouvir o que elas diziam, tanto era a minha atenção desviada para a contemplação pura e simples da mandala.

Em ambos os trabalhos me incomodou a emissão vocal dos atores. Em "O Homem...", a voz tirada da garganta me pareceu sem função dentro da proposta; achei que era apenas um experimentalismo, como "ah, ficou legal, vamos fazer assim", sem uma razão concreta para tal. N"O marinheiro", as atrizes usam um tom de voz infantil e gritado, que parece nada ter a ver com o texto que dizem. Talvez se explorassem um registro mais grave tivessem obtido um resultado melhor.

Continua se repetindo o mesmo problema apontado no semestre passado: os alunos não encenam textos de teatro. Encenam outros textos, que precisariam de um tratamento dramatúrgico que eles não têm condições de desenvolver sozinhos. No entanto, Keila Fonseca mostrou que tem "mão", que sabe lidar com os elementos da linguagem teatral. Se cometeu enganos, faz parte do processo e, da forma como os cometeu, saberá desfazê-los e tenho certeza de que fará bela carreira dirigindo, como já vem fazendo como atriz.

Quanto aos "Marmotas", mostram que têm atitude, que sabem o que querem. Têm uma proposta estética clara, e uma vez que se organizaram em grupo, espero ver mais trabalhos deles. Mas podem evoluir com muito mais rapidez se souberem escolher melhor os textos.

Quanto aos outros espetáculos, apenas comentários rápidos:

"Calígula", dirigido por Leonardo Cezino baseado na obra de Albert Camus, repetiu o equívoco do semestre passado, com direito a cenas de fechação explícita completamente sem propósito, onde o atuante confrontou a platéia masculina, um espetáculo de mau gosto e que depõe contra o fazer teatral, principalmente porque foi realizado dentro do Deart da UFRN, dentro do espaço acadêmico/pedagógico de uma disciplina. Fiquei pensando nas famílias dos alunos que estavam ali para ver o trabalho dos filhos. Papai, mamãe, titia, voínha, quem viu, vai pensar que é aquilo que se ensina ali no departamento. Eu, que já fui professora dali, fiquei constrangidíssima.

"Máscaras", um texto de Menotti del Picchia dirigido por Katia Priscilla, misturou uma encenação realista com um texto parnasiano, com bons atores (Rummenigge Medeiros, Luana Vencerlau e Thiago Torres) falando palavras das quais não tiveram tempo de aprender o significado. Com mais tempo de ensaios e talvez uma maior reflexão sobre a proposta da encenação a diretora poderia ter chegado a um resultado melhor.

Luiz Fernando dirigiu "A raiz", de Alcione Araújo. Um texto aparentemente simples, para dois atores, cujas falas são apenas uma palavra, mas aí é que mora o perigo. Se for encenado sem ações cênicas ou pausas torna-se o que se viu. Os atores (Naíze Araújo e Marcus Antonius)entram, dizem as falas uma depois da outra e tudo acaba antes que a platéia comece a entender do que se trata.

"O Sol e a Lua", um texto de Max Lucado com direção de Thulho Cézar, mostrou uma encenação confusa, cheia de elementos televisivos e com atuantes fazendo "pose" de manequim em cima do palco. Equívocos no figurino, na maquilagem, o experimento não parece ter tido orientação de qualquer professor. Nesses casos, acho que os alunos-diretores não têm assim tanta responsabilidade sobre os equívocos que cometem. É uma disciplina, e eles precisam de orientação para fazer os trabalhos. Uns já são "do ramo" e se saem bem; outros ficam somente na intenção.

Finalmente uma menção espcial ao trabalho que teve momentos do verdadeiro "teatro vivo" de que fala Peter Brook: "Luas e luas", um texto de James Thumber com Asclé Campos dirigindo os seus alunos do Colégio Hipócrates/Zona Norte, todos com idade em torno dos 12, 13 anos. Essas crianças nos contaram a história da princesa que queria a Lua, e contaram com graça, alegria e sem nenhum esterótipo televisivo o que, no meu entender, já tornaria a realização mais que louvável. Contagiaram a platéia, que envolveu-se na narração e no que estava vendo. O experimento funcionou, enquanto teatro, enquanto narrativa e enquanto passaporte para Asclé Campos finalmente mostrar o que eu sempre acreditei que ele sabia fazer.

Quero citar alguns destaques desses sete espetáculos/experimentos que vi nesses três dias.

*** A luz de Francesco Rodrix em "O Marinheiro";

*** Os cenários, figurinos e adereços de Adriana Duarte em "Luas e Luas";

*** Juciara Araújo, como a Princesa Letícia de "Luas e Luas";

*** A criação da Família Marmota de Teatro, que espero tenha vida longa.

A participação de todos também foi fundamental. Amigos e familiares lotaram o Departamento.

*** Neusa, mãe da Keila, e o professor Ricardo Kanela.

*** Weid brincando de ser ou não ser com uma das máscaras dos Marmotas.

*** O debate. Enquanto falava Ronaldo Costa, Keila Fonseca e Rodrigo Nascimento estavam atentos.

*** A fila no corredor, antes da entrada no teatro.

Sugiro aos responsáveis pela disicplina que orientem os alunos na confecção dos programas. Neles é preciso constar a proposta de encenação e a sinopse do espetáculo. Os agradecimentos devem ser comedidos e é óbvio que não se precisa agradecer a toda a família, nem ao "Ticket-estudante", "Baco" ou "Dioniso". O agradecimento é preciso mas deve ser adequado, bastando a citação do nome, sem precisar explicitar todas as tarefas feitas pelo mencionado. Assim, sobra um precioso espaço para que se explicite melhor a proposta cênica do espetáculo.

Finalmente, nem sempre pude ajudar como gostaria. Luís Fernando e Lilian Negão, em duas ocasiões, me convidaram para ajudá-los, mas não deu. Fica para outra vez.

Não vou poder assistir aos espetáculos de segunda e terça, pois tenho ensaio à noite, mas desejo sorte aos diretores.

Finalmente, deixo com vocês as palavras de Beaumarchais: "Sem liberdade de criticar, não existe elogio sincero".

E Viva o Teatro!

5 comentários:

Anônimo disse...

Obrigada pela avaliação sincera. A equipe de "O Marinheiro agradece. Ass.: Keila Fonseca

Anônimo disse...

De nada, queridos...

Anônimo disse...

É bom ver tanta gente envolvida nesses espetáculos. Espero que os experimentos virem espetáculos e possam ser degustados por mais pessoas. Espero também que nós "fazedores teatrais" consigamos desligar mais nossas televisões...

Vitório Ramon
Grupo Teatral "Ô de Casa"

Anônimo disse...

Esse espaço é importante... O melhor é ver pessoas produzindo.


Rafael Baccache

Anônimo disse...

Gosto da forma clara e cheia de diálogo que vc escreve. Muito bom!!
Onde está escrevendo agora?
Instigante.
Muito bom!
Sempre professora nossa.
Muito bom.